Cidades do Tempo Parado

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Cidades do Tempo Parado

Cidades do Tempo Parado

Contemplar maravilhas da natureza, testemunhar algumas realizações humanas são basicamente o que orienta a escolha de um destino para viajar.
As cidades que mantem o tempo parado podem ser o terceiro ponto desse tripé.

Quando se fala em Salvador, Paraty, Tiradentes, Mariana, Ouro Preto, estamos observam obras humanas e conhecemos o contexto histórico daquela realização. Sabemos que veremos lembranças do passado, mas não o Tempo Parado.

As cidades do Tempo Parado, são lugares onde encontramos um retrato amarelado, que nos encanta, nos envolve mas que sobre eles não sabemos explicar o seu contexto histórico.

Muitos municípios, aliás quase todos têm o seu Centro histórico, um conjunto urbanístico que testemunha a origem, os primeiros tempos daquele local.

Um dos nossos prazeres quando viajamos e descobrir coisas não muito relevadas. As cidades do tempo parado oferecem esse prazer de forma generosa e saborosíssima.

É impossível ter cultura suficiente que contenha conhecimento para conhecer, por exemplo todos os ciclos econômicos. E ai quando você chega por exemplo em São Francisco do Sul (SC) se depara com um conjunto arquitetônico que registra um apogeu econômico que você não desconfia ter havido. Na mesma situação, Morretes (PR).

E na soma de ascensão e queda de ciclos econômicos, e alteração de rotas de transporte, temos cidades retratadas por Monteiro Lobato como “Cidades Mortas”. Bananal, Areias e Silveiras (e outras) ficaram decadentes com o declínio do Ciclo do Café e se viram mais isoladas quando da inauguração da Rodovia Pres. Dutra (1951) que com outro traçado, substituiu a antiga Rod. Rio – São Paulo

Conhecemos algumas Cidades com o Tempo Parado, vamos falar um pouquinho sobre algumas delas.

São Luís de Paraitinga – SP

Localizada no Vale do Paraíba, a meio caminho entre Taubaté e Ubatuba, pela Rodovia Osvaldo Cruz.

Na condição de Patrimônio Histórico Cultural, São Luís de Paraitinga abriga o maior conjunto arquitetônico urbanístico do estado de São Paulo. São mais de 450 imóveis tombados.
A cidade é um tremendo exemplo de superação. Em 2010, sem nenhuma outra experiência anterior a cidade sofreu uma inundação e ficou literalmente debaixo d’água. Existem fatos incríveis sobre essa inundação, sobre os salvamentos e sobre a reconstrução.

Numa visita, D. Pedro II a batizou Santo Luís de Paraitinga como “Cidade presépio” e deu-lhe o título de cidade Imperial.

Teve muita relevância durante o Ciclo do Café, saiu completamente de cena por ter ficado fora dos traçados das ferrovias e rodovias que cortaram o Brasil entre os séculos XIX e XX.

Outro exemplo de Tempo Parado. A cidade sofreu algum retardo no progresso das comunicações, e acabou desenvolvendo práticas sócio culturais bem típicas. O contador de histórias é um artista celebradíssimo na cidade. É uma coisa assemelhada ao Repente, mas com conotação bem singular.

A Festa do Divino de São Luís de Paraitinga é a mais importante do estado de São Paulo. O carnaval tem características próprias, com o interessantíssimo tradicional concurso de marchinhas carnavalescas.

Sua geografia apresenta excelentes condições para prática de esportes radicais como canoagem e raffiting.  

Iguape – SP

Localizada no extremo sul litorâneo do estado de São Paulo.
De repente você encontra uma construção em ruínas encravada no meio do quarteirão. Anda mais um pouco e encontra um prédio em ótimas condições, com idade muito maior do que seus vizinhos.

Iguape experimentou um áureo período velozmente chegando a ser uma importante cidade do sul do país. Lá foi construído um teatro, existiam 4 jornais diários e eram erguidos imponentes casarões. Arroz, essa era causa de tanta opulência. Iguape mantinha o controle da região produtora e era o porto das exportações do produto.

A cidade fica exatamente na foz do rio Ribeira e a região tem um conjunto de alagados e lagoas.

O enriquecimento era acelerado. Pensando em agilizar a chegada do arroz ao porto, foi construído um canal. A obra foi pessimamente mal sucedida. A abertura do canal ocasionou o assoreamento do porto. Os navios de grande calados foram se afastando desse porto e o declínio foi também muito acentuado.

O Tempo Parado de Iguape se mostra claramente. A cultura Caiçara que logicamente era muito presente, permaneceu com muita evidencia.

Nos tempo do Iguape colônia existiu uma manifestação religiosa, a cultuação de Bom Jesus dos Passos que foi marcante. Com a cidade perdendo a relevância econômica, essa característica acabou ficando muito forte. Não porque elas tenham crescido, mas porque o Tempo ficou parado.

Essa mistura, religiosidade, a vivência caiçara e o espectro do apogeu econômico , formam um excelente tripé para marcar uma viagem a Iguape.

Morretes – PR  

O surto econômico de Morretes foi tão forte que ali foi construído um teatro inteiramente em madeira. Já imaginaram isso? E constam nos registros históricos que foram ali encenadas importantes peças.
Morretes nasceu em função de a região ter sido área de garimpo. De Morretes nascia uma trilha tropeira que ligava o litoral ao centro do estado, na capital Curitiba. Sobre essa trilha foi construída uma estrada “Estrada da Graciosa”, (por cortar a Serra de mesmo nome). Isso gerou em Morretes um centro comercial.

A opulência se deu pelo fato da cidade acabar comportando vários engenhos que processavam o chá. O ciclo foi intenso e Morretes prosperou fortemente.

Os donos desses engenhos construíram muitos palacetes, criando um belo núcleo arquitetônico.

É possível ver o tempo parado nas construções, algumas em ruínas, dos engenhos. Ver muitas pomposas construções residenciais. Francamente é possível em certas condições sentir essa sensação de tempo parado, de retorno ao passado.

Pra quem gosta (quase todos, é claro) de boa mesa, Morretes se vangloria de ser a capital mundial do Barreado. Conhece Barreado? Uma receita açoriana influenciada pela cultura caiçara servida em Morretes com um estranho ritual.

Tem quem viaja de Curitiba a Morretes somente para comer o Barreado.

Imperdível mesmo é percorrer a Serra da Graciosa. É deslumbrante, é considerada uma das mais bonitas estradas do mundo.

Cobrindo o mesmo trecho, sobre a área melhor preservada da Mata Atlântica, temos uma história e excêntrica estrada de ferro, que promove emoções extraordinárias. Vale, vale muito a pena.

São Francisco do Sul – SC

A cidade mais antiga do estado de Santa Catarina, segundo as anotações a terceira mais antiga cidade do Brasil, tem uma característica de Tempo Parado. Lá parece que o mundo de hoje funciona num cenário antigo.

São Francisco do Sul, sempre foi e continua sendo um porto marítimo importante. Então a cidade foi estruturada, melhor dizendo, ela foi se constituindo ao redor e voltada para o porto.

O conjunto arquitetônico de São Francisco do Sul, é uma gracinha. Outra impressão que fica, parece que não havia terreno disponível, tudo é grudado no mar. O mercado municipal (prédio antiquíssimo e muito lindo) está construído em parte, dentro d’água.

Muito interessantes são os museus da cidade. Ótimo exemplo de Tempo Parado para ser admirado.

A cidade também tem região com praias. O passeio, portanto, vai além do sabor nostálgico.

Paranapiacaba – SP

Um cenário incomum. Uma vila inglesa construída no alto da Serra do Mar em função da construção da Estrada de Ferro Santos Jundiaí.

Nascida São Paulo Railway Company, uma obra fundamental para escoar a fervilhante produção (principalmente café) do interior do estado ao principal porto exportador brasileiro.

Tudo, absolutamente tudo usado na construção dessa vila veio da Inglaterra, enviado pela empresa construtora da ferrovia.

A vila de Paranapiacaba foi construída no alto da Serra do Mar, para, ficando no meio do caminho para a manutenção dos trens. Mas a alta cúpula da empresa construtor-operadora também ali ficaria residente. Então uma vila inglesa foi erguida. Uma mini cidade, com praça, coreto, serviços públicos, campos de esportes, um clube e um teatro. Sim, tudo construído, por e para os ingleses que dirigiriam a ferrovia.

Tudo parecendo um imenso cenário, só que real. Na época da construção de Paranapiacaba aquilo tudo deveria ser encantador. Hoje fica a impressão (o Tempo Parado) que estamos numa daquelas cidades cenográficas usadas para filmes de Faroeste, onde se retrata uma cidade semiabandonada.

Foi construído inclusive um palacete (eu prefiro chamar de castelinho), residência do dirigente chefe da ferrovia, hoje transformado em museu. E temos uma “quase” réplica do Big Bem, um portentoso relógio, visível na cidade inteira marcando além das horas o comprometimento com a pontualidade e a exatidão.

Até mesmo o “fog” londrino você encontra por lá. A região da Serra é uma área fortemente afetada por neblina. Em Paranapiacaba, numa questão de minutos pode ter a sensação (incrível aliás) de ficar com dificuldade para ver a casa do outro lado da rua e desaparecer o final do quarteirão.

Santo Antonio da Patrulha – RS

Um dos mais antigos municípios do estado do Rio Grande do Sul tem esse curioso nome em função da vocação dessa região que foi um território de muito confronto por questões fronteiriças. Nos séculos XVI e XVII, sempre tivemos na região conflitos entre Portugal e Espanha pela posse das terras. Uma cidade “criada” com a explicita função da vigilância e ocupação do território. Santo Antonio da Patrulha.

A cidade hospedou D. Pedro II. Em seu centro histórico existem muitas marcas (o Tempo Parado) que testemunham essa visita.

Foi para mim, impactante encontrar numa cidade do RGS uma forte manifestação da tradição culinária com base na cana de açúcar. Santo Antonio da Patrulha, abrigou os primeiros engenhos de açúcar do estado. A cidade mantém fama e tradição na produção de cachaças finas, rapadura, melaço. Você poderá visitar estabelecimentos com construções (Tempo Parado) quase seculares, produzindo açúcar, álcool, cachaça e seus derivados nas mesmas condições da sua criação.

Indo a Santo Antonio da Patrulha, não deixe de se fartar comendo Sonho, esqueça tudo que você conhece sobre sonho de padaria e tenha uma ótima experiência.

Cako Machini
Cako Machini
Desde 1953 também responsável pelo mundo que vivemos. Publicitário, marqueteiro, empresário. Criativo, amante das artes. Resolvido a viver o Outono de sua Vida junto a natureza, priorizando as palavras e as viagens.

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