Entrevero – culinária & política

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Entrevero – culinária & política

            É possível apontar na gastronomia pratos hoje glamourizados que na sua origem eram modelos de sobrevivência de sociedades muito pobres. Entrevero é exatamente isso. O principal exemplo e a festejadíssima Feijoada criada pelos escravos composta na senzala pelos restos da mesa da casa grande.

            No sertão nordestino onde de abundante só existia a carência vem o Baião de Dois, mistura de qualquer coisa disponível, Feijão, Arroz, Queijo Coalho, Farinha…

Misturando carência com precariedade e praticidade, lembrem do Arroz Carreteiro, no Feijão Tropeiro e no final do texto leiam sobre a origem do Macarrão à Puttanesca.

            Nessa linha, por completo acaso, descobri o Entrevero, prato originário também das tradições tropeiras dos estados do sul.

            A cidade de Telêmaco Borba no Paraná conferiu a si o título de capital do Entrevero, um prato onde algumas carnes, alguns legumes são misturados a muito pinhão e o resultado é fantástico.

            Na receita Telêmaco-borbense de Entrevero usa-se basicamente ingredientes como pinhão, posta vermelha, charque, tomate, alho, cebola e cheiro verde.                                               *Posta vermelha é alcatra cozida em alho e cebola.

             A receita atual e mais difundida seria essa:

Entrevero

Ingredientes:

500 g de carne bovina (alcatra)

500 g de pinhões cozidos cortados em 3/4 pedaços

100 g de bacon em pequenos cubos

200 g de carne suína (lombo) cortada em pequenos cubos

150 g de linguiça calabresa bem picada

4 tomates em cubos pequenos sem sementes

1 pimentão vermelho cortado em cubos pequenos

1 pimentão amarelo cortado em cubos pequenos

1 pimentão verde cortado em cubos pequenos

3 cebolas médias cortadas em cubos pequenos

Pimenta e sal a gosto

 

Feira Nacional da Reforma Agrária 

O MST promovia em São Paulo mais uma edição dessa feira onde os produtos produzidos pelos assentamentos do movimento eram expostos e comercializados com a população dos centros urbanos.

Além da questão política/sociológica esses produtos são ecologicamente corretos por serem genuínos (nada transgênico) e orgânicos (produção sem fertilizantes ou pesticidas químicos).

            Nosso interesse não era comprar produtos orgânicos e sim ganhar informação e cultura sobre um dos mais importantes movimentos sociais de todo o mundo. E num esplêndido bônus participar de palestras com figuras incríveis como o enorme Pepe Mojica, e o visionário José Pedro Stedile.

            Muitos acampamentos ofereciam aos visitantes pratos prontos, sempre claro de refeições típicas. Na tenda de um assentamento de Santa Catarina era oferecido porções de Entrevero. Nunca havia ouvido falar nesse prato.

            Entrevero no dicionário quer dizer confusão, luta, disputa. No prato apresentado havia a mistura, é certo, mas reinava a harmonia dos sabores.

            Nunca havia experimentado nenhum prato onde o pinhão aparecesse dessa forma. Conhecia pinhão em conversa, paçoca de pinhão e adoro pinhão cozido. Mas pinhão com carnes e legumes, não conhecia.

 

Voltando ao contexto de sócio político das comidas criadas ontem dentro da precariedade que hoje são glamourizados, o verdadeiro Entrevero (conta a tradição) deve ser preparado usando o disco do arado.

Explicando pros muito urbanos, arado é um equipamento que revolve a terra tornando-a mais preparada para absorção de água e beneficiando o plantio. Por algum tipo de tração é empurrado ou puxado sobre a terra um eixo com 3 ou 4 discos que executam esse movimento.

O roceiro fazia fogo e colocava um dos discos do arado (já descartado) para ser usado como panela. Pelo seu formado cônico era possível diferenciar a temperatura de cozimento das diversas texturas usadas no preparo.

Considerando que os discos eram furados, prefiro acreditar que o elemento utilizado era um disco de arado, já em desuso com seus furos tapados. O utensílio por ser de um ferro bem espesso oferecia um ganho de calor interessante.

Em nossas Andanças pelo Brasil não perdemos a oportunidade de conversar com as pessoas que encontramos. Nossa preferência é essa gente simples que vive numa realidade diferente da nossa. Nesse acampamento não deveria ser diferente.

A simplória placa anunciava o prato. Nunca havíamos ouvido falar a respeito. Pronto, ótimo pretexto para uma conversa.

Dois casais sentados em banquinho cercados por vários enormes caldeirões foi a primeira visão da cozinha que oferecia o prato.

            – Esse Entrevero sai ou não sai?

            – Sai. Já ta saindo, e saindo no capricho. O amigo quer uma porção?

            – Até quero.Desculpem a ignorância desse rato urbano. O que é um Entrevero?

Foi uma conversa boa e além de saber sobre os ingredientes e do preparo, especulei sobre a Serra Catarinense, outros hábitos da região, e claro sobre as questões da terra.

Conheci duas desconhecidas (pra mim) “ferramentas” da cozinha. O “partidor”, e o “descascador” de pinhão. São assemelhadas a uma prensa. Numa você posiciona o pinhão que será pressionado pela bundinha e se soltará da casca (se já estiver cozido). Outra, muito mais interessante onde uma lâmina corta o pinhão (ainda cru) no sentido do seu cumprimento. Assim partido o pinhão coze com mais facilidade e é facílimo de ser retirado da casca.

Fui aconselhado a preparar o Entrevero com muita calma e em etapas. Num fogo a parte se cozinha o pinhão. No disco (eles definitivamente não querem usar panela) deve-se primeiro colocar o torresmo (bacon é coisa da cidade grande), queimar o alho e se fritar (pela ordem), a posta vermelha (alcatra), a carne do porco, do frango e depois a lingüiça. Afaste as carnes pras beiradas do disco, coloque os pinhões cozidos que já devem estar partidos. Despeje os pimentões e o tomate já picados. Deixem que eles tomem um susto de fogo, misture tudo. Depois de despejar a cebola tire do disco, jogue na travessa e polvilhe salsa ralada.

Entrevero é simples e saboroso.

Na última viagem ao sul, passamos por Lajes na época da Festa do Pinhão (inicio da colheita). Para garantir o Entrevero da entre safra trouxemos 6 kilos de pinhão, que estreando nosso “partidor” de pinhão foram cozidos e congelados.   

Pouca gente conhece Entrevero, quando se conta essa história, quando se fala nesse prato, quase todos ficam curiosos. Temos promovidos boas reuniões para muita conversa e degustação do Entrevero. Quer conhecer? Quer conversar? Deixe recado.   

Pepe Mujica

Ex presidente do Uruguai. Foi militante político, viveu na clandestinidade, foi preso pela repressão.

Recusou usar a residência oficial dos presidentes. Também nunca usou os carros oficiais. Governou a partir do seu modesto sítio e não desapegou de seu heróico fusca.

Devolvia 90% do seu salário de presidente para que fosse utilizado em ações de bem estar social.

“O capitalismo se retroalimenta do mal estar das pessoas. Gera condições para eternizar a ansiedade nas pessoas”.

            ” Vivo com apenas o suficiente para que as coisas não roubem minha liberdade.”

            “O casamento gay é uma realidade objetiva. Não legaliza-lo seria fazer sofres as

            pessoas”.

            “Se não somos capazes de sermos felizes com coisas pequenas, não seremos

            felizes com coisas grandes”.

            “Os governantes deveriam viver como vive a maioria de seu povo”

            “O golpe no Brasil estava anunciado a muitos anos, os pobres estavam diminuindo”.

  João Pedro Stédile

Nascido no Rio Grande do Sul em 1953. Economista pós graduado no México

– Nossa burguesia fedorenta só organizou a primeira universidade em 1903.  

– Não venham trazer seu dinheiro ao Brasil, a qualquer momento iremos recuperar a soberania nacional.

– O papel do movimento (MST) não é agradar a classe média que sempre foi oportunista. Não iremos puxar o saco de vocês.

– O Brasil utiliza apenas 10% da sua área total para a agricultura. 85% de todas as melhores terras do Brasil são utilizadas para apenas para soja, milho, cana e pasto.

Espaguete à Puttanesca.

Macarrão preparado à moda da casa das putas. Exatamente isso uma receita originária dos bordéis da Itália.

Azeitonas, fatias de salame, lascas de queijo, anchovas, tomate seco. No salão principal da casa eram servidos porções de “acepipes” (acho um gozo essa palavra), com o objetivo de abrir duplamente o apetite dos freqüentadores. Apimentados e salgados para aumentar o consumo de bebidas e por consequência mais ávidos por consumir a principal matéria prima da casa, as profissionais de difícil vida fácil.

Uma puta não pode perder tempo na cozinha. No salão eram servidos produtos basicamente em conservas. E no final do expediente elas preparavam, para seu jantar, uma pasta de forma rapidíssima utilizando as sobras dos “acepipes” servidos no salão.

Tudo exatamente seguindo o conceito do bordel: Comer sobras de preparo rapidíssimo.  

 

 

Cako Machini
Cako Machini
Desde 1953 também responsável pelo mundo que vivemos. Publicitário, marqueteiro, empresário. Criativo, amante das artes. Resolvido a viver o Outono de sua Vida junto a natureza, priorizando as palavras e as viagens.

7 Comments

  1. ANGELA APARECIDA DA SILVA disse:

    Adorei e já compartilhei, obrigada por dividir este momento, pois eu não consegui ir à feira, mas foi como se
    estivesse lá proseando com as pessoas.

  2. […] e gosta de surpreender os amigos deve aprender a receita desse típico prato da Serra Catarinense, Entrevero. Uma incrível mistura de carnes, legumes e pinhão. Conheça a receita e a história.         […]

  3. […] que em minha opinião, surgiram a partir de alguma condição muito severa de vida. Feijoada, Entrevero, Atolado, Barreado, todos eles tem uma história de carência, de aproveitamento. E hoje todos são […]

  4. […] gosta de comer bem. Quem gosta de cozinhar e surpreender os amigos, precisa aprender a fazer Entrevero. Aprendemos essa tradicional receita da Serra Catarinense  num acampamento do MST. Vale a pena […]

  5. Ana Marcia disse:

    São dicas de pratos deliciosos. Aguçou meu paladar.

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