Faz tempo que convivo com a corrupção

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Faz tempo que convivo com a corrupção

Gabriel 6Faz tempo que convivo com a corrupção. Essa história é verdadeira e foi vivida por mim.

Estamos em 1964, nesse tempo os alunos que terminavam o curso Primário eram obrigados a prestar um Exame de Admissão para serem matriculados no curso Ginasial. Haviam muito menos vagas do que candidatos e esse exame tinha a complexidade (mal comparando) de um vestibular da FUVEST. Não bastava ser aprovado, você deveria estar muito bem colocado na lista classificatória.

E não bastava estar bem classificado, a vaga era concedida mediante o pagamento de um pedágio. Exatamente pagar pedágio mesmo estando classificado na lista pública. Aliás, eram dois pedágios, depois explico sobre o segundo.

         Nunca gostei de estudar. Na verdade não estudava. Não sou gênio, mas acabei sendo aprovado no vestibulinho com uma das melhores notas do Colégio Estadual Prof. Gabriel Ortiz, localizado no bairro da Penha, São Paulo SP.

         Eu tinha 11 anos quem cuidou da matrícula foi meu pai, que reclamava diariamente de ter perdido a viagem e não ter, por burocracia, conseguido fazer a matrícula.

         Até que um dia o subdiretor da escola acabou dando a cantada no meu pai. A estória era a seguinte: Aquela era uma escola recém inaugurada (prédio novo). O governo não havia enviado todo o equipamento necessário, faltavam carteiras. Ai… Se os pais pudessem comprar as carteiras seus filhos seriam matriculados. Gabriel 1

         Claro meu pai “comprou” uma carteira com o Seu Milton, sub diretor, eu fui matriculado e lá cursei o Ginasial.

         Essa estória sempre me constrangeu e eu nunca havia falado sobre isso. Até que já na segunda série, numa conversa sobre quem tinha sido melhor classificado no exame de admissão, um colega contou, na verdade confessou que a nota dele era ruim e ele só havia sido matriculado por (também) ter comprado uma carteira…..                           Contei meu caso, descobrimos vários outros “compradores de carteiras”

         O segundo pedágio era comprar a porra da enciclopédia Barsa do Seu Marcondes, o bedel da escola. Ele pegava você numa mancadinha qualquer e ficava pegando no seu pé o tempo todo. Era cara de pau o suficiente para explicitar que poderia aliviar o seu lado se você fosse um bom aluno, tivesse uma boa enciclopédia para estudar, etc., etc..Gabriel

         Naquele tempo, as famílias se quisessem educar seus filhos teriam que pagar pelos uniformes, pelo material escolar, pelo transporte, pela merenda.

         Era possível apontar todas as escolas públicas da região, normalmente uma de cada nível por bairro. O número de vagas oferecido era reduzidíssimo.

         O Colégio Estadual Prof. Gabriel Ortiz fica numa avenida, que fazia parte do caminho Estrada Velha Rio São Paulo. O prédio foi construído no terreno de uma grande chácara desapropriada. Todas as outras ruas da região não eram pavimentadas. Tudo era muito empoeirado.

         Os professores davam os nomes dos livros que estavam a venda num no Bazar Sacrário inaugurado bem na frente do colégio. Aposto como rolava uma  “comissão” para todos os envolvidos.Gabriel 4

Essa situação da compra da carteira sempre me incomodou. No inicio o mal estar poderia ser explicado como uma sensação de “Intruso”. Não tinha maturidade para fazer essas interpretações, nunca me senti inserido naquele ambiente. Saber que haviam outros alunos na mesma situação, não foi lido pela minha mente na forma de uma revolta. Havia uma sensação de cumplicidade.                   Eu não sabia definir quem estava errado.Gabriel 3

         Em 1967 haviam três classes da 3ª série, isso deveriam somar +- 120 alunos. No máximo 10 foram aprovados. O restante foi reprovado em matemática. Um professor maluco chamado Bezerra reprovou todo mundo. Todo mundo dizia que não conseguia entender o que ele ensinava. Logicamente nada foi feito contra ele, a culpa era sempre dos alunos, sempre.

         Tomei uma suspensão (a primeira e única) no dia que notificaram que ele deixaria o colégio para lecionar na faculdade de São Carlos. Bom pra nós, azar deles. Gastei o que tinha comprando champagne pra comemorar. Fui suspenso.

         O ano de 1968 foi marcante para o mundo. Para nós no ambiente escolar foi atípico, ninguém precisava se aplicar em nada. As notas, inclusive em matemática vieram ótimas.

        Gabriel 5 Amargar um ano perdido, mais maturidade, revolta com o professor amalucado, nojo com o senso de prepotência dos administradores da escola. Surpresa e curiosidade com o que ocorria no resto do mundo. Saber de movimentos estudantis dentro e fora do país. Ver nas ruas de São Paulo a repressão da ditadura.

         Eu tinha muito mais do que 15 anos.  

 

Cako Machini
Cako Machini
Desde 1953 também responsável pelo mundo que vivemos. Publicitário, marqueteiro, empresário. Criativo, amante das artes. Resolvido a viver o Outono de sua Vida junto a natureza, priorizando as palavras e as viagens.

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