O Banquete dos Mendigos

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Duda, 100 mil km de aventuras
11 de fevereiro de 2016
Entrevero – culinária & política
11 de fevereiro de 2016

O Banquete dos Mendigos

O Banquete dos Mendigos.

O LOCAL: Bar do Ganância, Um bar lanchonete ao lado da Igreja Matriz onde o pessoal se reunia. Todo jovem dessa época (1969) tem sempre um bar na lembrança. Ironia, o nome oficial do estabelecimento: Lanchonete Santuário.

A TURMA: Um pessoal da pesada no auge da sua imaturidade, numa surda competição nem sempre saudável tentando determinar quem seria o mais transgressor.

A SITUAÇÃO: Aquela sexta-feira tinha que valer. Pegamos chuva a semana inteira. Contrariando Vinícius (de Morais) que decretou, “Porque hoje é sábado!”, digo: Porque hoje é sexta-feira, não temos nenhuma festa, nenhum baile, nem um programa.

A INICIATIVA: Pera lá! Aquele bando de malucos, num bar, numa sexta-feira, poxa, alguém teria alguma “grande ideia. E teve. Não lembro quem foi, mas logo se formou um grupo de voluntários.

O CARRO: Um Simca preto. Da exata cor que a situação ficaria. Com o porta malas tão vazio quanto nosso depósito de juízo.

A AÇÃO: O carro andava em suspeito movimento e cauteloso trafegar. A superlotação de pessoas (éramos 6), negava espaço para qualquer tipo racionalidade. Porém havia espaço para maquiavélicas idéias de como fazer aquela sexta-feira entrar para a história. Aproxima-se o primeiro alvo.

O PRIMEIRO ATAQUE: Paramos junto a uma pastelaria. Desceu o Sagal, um turco baixinho que hoje é um (até certo ponto) respeitável pai de família. Um chinês imundo saído de dentro de uma nuvem de fumaça, com cara de infortúnio ouve a encomenda.

     – Quero 12 pastéis de carne, 12 de queijo e 12 coxinhas. No capricho, hein…!

     … … … O chinês embrulha a encomenda e o Sagal se prepara para embrulhar o chinês. Carteira na mão, contando dinheiro, o golpe certeiro.

     – Me dá uma Coca-Cola, me deu sede.

O exato momento que o chinês se abaixou no balcão, foi mais do que suficiente pro Sagal se agarrar ao pacote e correr e pular para dentro do carro.

A noite do bairro da Penha ouviu uma estrondosa cantada de pneus e muitos gritos indignados. – LADRON! LADRON!

SEGUNDO ATAQUE: Tudo igual. Com a experiência adquirida a ousadia e as quantidades foram aumentadas. Repetiu-se o êxito. A única diferença ficou por conta dos gritos do chinês, que era muito mais escandaloso.

O BALANÇO: Foram 8 ataques. O porta-malas cheio de “mercadoria”. Nossas consciências com sentimento de culpa. Passamos de qualquer limite. Visitamos a maioria das pastelarias da região. Estávamos usando um carro muito visado (de fácil identificação). Seria um excesso de sorte tudo dar certo.

O REMORSO: Quase meia noite. Retornamos ao bar, contamos nossa proeza pra uns pouco ainda presentes. A conversa começou a ficar estranha, ficou todo mundo mordido. Não estávamos encontrando explicação para aquilo tudo. Nosso nível social estava além dessa brincadeira e mesmo por farra o grupo não conseguiria consumir aquilo tudo. Mesmo por que o Pronto Socorro não atende por gulodice. A noite estava linda e contrastava com o clima pesado. Alguém de consciência pesada produziu uma ideia melhor que a primeira.

OPERAÇÃO PERDÃO: Escondemos o Simca (viatura usada na ação). Nos amontoamos em dois Fuscas e partimos em comboio com mais uma Kombi, por enquanto vazia.

Avistamos nosso primeiro alvo. Não era uma pastelaria, era um ser humano amontoado sem melhor sorte na porta de uma loja. Muito papo e pouco sucesso ele não quis nos acompanhar de jeito nenhum.

Abordamos outro, mais outro. A reação dos mendigos era a mesma, nenhum deles acreditou nas nossas intenções. Fazer o Bem estava sendo muito mais difícil do que fazer o Mal havia sido.

A SALVAÇÃO: Avistamos o Irmão Damião, um mendigo chegado no grupo que sempre aparecia por perto do Bar do Ganância. Ganhou o apelido por nunca dispensar fazer algum tipo de preleção a troco de um sanduíche ou de uma pinga. Ele demorou para entender nossas intenções mas depois de ver tanta comida resolveu colaborar.

A FESTA: O Ganância nos vendeu algumas garrafas de pinga, uma caixa de refrigerante e baixou as portas dizendo que não queria encrenca. Fomos para as escadarias da igreja. Eram uns 10 marmanjos e o dobro disso em mendigos reunidos pelo Irmão Damião que lotou a Kombi.

Estamos todos em êxtase. Nós, da quadrilha, lavando a alma. Os mendigos se fartando… Até que, um carro da rota resolveu dar uma espiadela naquela heterogênea festa.

A MANCADA: Documento, revista, pergunta. Como tudo estava limpeza eles estavam quase deixando a festa terminar em paz quando existiu um “porém”. Um policial levantou do chão alguns papéis de embrulho e levantou a lebre.

     – Porque vocês compraram tudo isso em pastelarias diferentes?

Argumentamos que “cada um compra pasteis aonde quiser”. Melhoramos a desculpa dizendo que cada um trouxe sua cota de perto de sua casa. Não convenceu.

Contra a nossa torcida o tenente não se deixou embrulhar com a estória dos pacotes e passou um radio contando sobre o incomum evento social.

Uma R.P. que estava na escuta resolveu conferir numa pastelaria. Veja lá se isso é hora de pastelaria estar aberta. O pasteleiro em questão havia sido um dos visitados por nós e formalizou a queixa.

Ficou todo mundo com cara de “gol contra”. O tenente foi taxativo.

     – Teje preso todo mundo. Agora já é sábado e concordando com Vinícius… “Porque hoje é sábado, homens vazios enchem os bares”. Eu complemento. E também as delegacias.

Eles não perdoaram nem mesmo nossos convidados. Foi todo mundo amontoado nos carros pra delegacia.

A expectativa do que poderia nos esperar era angustiante. Os lamentos dos mendigos tornava tudo pior. Ouvíamos:

     – Quando pobre recebe alguma coisa boa a coisa tem que acabar mal. É por isso que ele é pobre.

     – Quem manda confiar em play-boy.

     – Só estavam zuando com a nossa cara.

Com nossa chegada a delegacia que já estava lotada ficou impraticável.

UM CASO A PARTE DURANTE A ESPERA: Um camburão despejou outro monte de gente. Como nós, todos estavam com cara de “um a zero pro adversário”. Notei que no meio desse grupo estava um sujeito de pijama e segurando um saquinho de leite. Estranhei, na verdade aquela altura já não deveria estar estranhando mais nada, mas estranhei.

Só notei novamente a figura quando um policial chamou.

     – Pessoal do caso da mulher que estava dormindo com o vizinho.

FACE A FACE COM A RAZÃO: Talvez pelo inusitado, nosso caso tenha sido guardado pro final do plantão. Eram quase 6 horas, o sol começava a aparecer quando fomos chamados. Ainda bem que a policia interviu, estava sendo uma barra acalmar os mendigos depois que eles souberam sobre a origem dos comes e bebes da festa.

O delegado com a cara amarrotada e azeda de final de plantão pergunta.

     – Que história é essa de assaltar pastelarias e para festinhas?

     – Demos tudo aos pobres. Um de nós respondeu.

     – Então estou cercado de Robin Hoods?

     – A intenção era das melhores…  Alguém argumentou.

    – Lá em baixo (entendam no xadrez) to cheio de gente muito bem intencionada.  

Gelamos e paramos de retrucar. Ouvimos um sermão repleto de palavrões e ameaças. Por fim perguntou.

     – Como você querem acabar com a fome da humanidade? Alguém respondeu.

     – Com uma corrida e um susto. De preferência mais corrida do que susto, senão a gente dança ….

Bendito final de plantão. O delegado desprezou a ironia, obrigou que todos esvaziassem os bolsos para pagar os prejuízos, e dispensou todo mundo, recomendando.

     – Da próxima vez que quiserem fazer um banquete de caridade COMPREM! A comida.

     – Ta legal, desculpa tomar seu tempo. Prometo que convidaremos o senhor.

     – Sumam daqui!

O FIM QUE QUASE FOI UM RECOMEÇO: Calados e aliviados começamos a descer as escadas da delegacia. Cruzamos com um sujeito que me pareceu familiar. Na sequência ele de identificou. Quando cruzou com o Sagal começou a gritar.

     – LADRON, LADRON!

Pois é, era o próprio. Outra vez, mais uma corrida e um susto.  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Cako Machini
Cako Machini
Desde 1953 também responsável pelo mundo que vivemos. Publicitário, marqueteiro, empresário. Criativo, amante das artes. Resolvido a viver o Outono de sua Vida junto a natureza, priorizando as palavras e as viagens.

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