O caso do estranho visitante

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O caso do estranho visitante

 

O caso do Estranho Visitante.

Você! Se estivesse na situação do Leonel, dentro de 14 parágrafos entraria em …Pânico!

Do outro lado da cidade uma excelente dona de casa e também muito previdente esposa, diz ao balconista:

– Gostei muito, mas não vou levar.

– Mas porque minha senhora? Tenho certeza de que o seu marido gostaria de receber esta calça de presente.

– Certo, mas mesmo assim eu não levo.

– E por quê?

– Porque tem zíper.

– Isto é tão normal!…

– Certo, mas no natal dei a ele uma blusa com zíper e ele vive prendendo a ponta da gravata…

………………………………….

Em outra hora e outro local a inocente Inês arruma a roupa do marido o Leonel (nosso protagonista), não se preocupando com este pequeno mas importantíssimo detalhe.

Pela manhã, Leonel deixa a sua residência, pensando ser este mais um normal dia de trabalho. Ainda sem consciência do que lhe aguarda, estaciona seu carro na porta da primeira empresa a ser visitada. Eram 08:32 da manhã.

Estranho Visitante 1

As 08:37 a recepcionista larga o seu tricô e anuncia a subida do Sr. Leonel ao Departamento de Compras, cometendo (é claro) um erro de pronúncia ao ler no cartão o nome da multinacional que ele representa. Mesmo estando no início do expediente, notem como “Bibelô” (apelido carinho dado pelas outras coleguinhas) foi perspicaz: entre uma laçada pra cá e um ponto meia pra lá, notou ela uma certa ansiedade nas atitudes de Leonel.

 

Estranho Visitante 2

 

Calma, eu disse 14 parágrafos, ainda faltam mais 2.

O elevador, vejam só, não estava enguiçado, para no 3º andar. Leonel é despejado, isto mesmo ele é “descido” por alguns funcionários da empresa, bem mais ansiosos….para marcar o cartão de ponto, é claro.

 

Estranho Visitante 3

A tal “ansiedade” leva Leonel a dar uma passadinha no banheiro antes da entrevista com o comprador. Lá estando, (preste atenção neste trecho) Leonel despeja a sua ansiedade na bacia. Aquele som de torneira velha foi baixando, baixando, são somente pingos agora, Leonel chacoalha, chacoalha, vai guardar…guarda, ajeita do lado direito (ele é canhoto) e….PÂNICO! (não disse que era neste parágrafo).

A pontinha “dele” fica presa no zíper da calça. Um grito surdo, uma cara de “não fui eu”, foram as primeiras reações. Leonel esta cercado de olhares estranhos, por dentro dor e dúvida.

…. – Caramba e agora o que é que eu faço? Como dói!

Ficando a sós no banheiro ele se maloca numa das cabines reservadas. Sua situação não é preta e nem ruim, é roxa e pior pois o, o….o “próprio” já inchou e muito. Apesar de quase desesperado, o infeliz ainda tem um tempinho para pensar na sogra:

…Aquela macumbeira duma figa, nunca me ensinou uma simpatia pra resolver um caso destes.

No Departamento de Compras, seu Julio, pessoa com quem o Leonel deveria estar se entrevistando, fala ao telefone:

– Depois bicho, tô numa reunião importante, depois te ligo.

Desligando o aparelho ele fecha irritado o seu gibizinho do Pato Donald e diz:

– Cadê aquele cara que o “Bibelô” anunciou?

– Eu não peguei, não foi pra mim que o senhor pediu – responde um dos funcionários, sem desenterrar a cabeça das páginas amarelas.

– Como é minha filha! O seu homem vem ou não vem? – diz o Julio, inquirindo por telefone a recepcionista. Esta, mesmo sem entender, num deslize de euforia responde:

– Meu homem? Quem? Aonde?

– Calma Bibelô, estou perguntado sobre uma figura que você anunciou.

A menininha, agora toda desmotivada, devolve a bola:

– Ah! (sintam o desânimo da expressão) Aquele cara? Sei lá, subiu pô!, se não esta por aí, se perdeu (notem a sutileza nas relações).

– Se perdeu é? Acho melhor chamar a segurança.

Agora notem o vigor e a agilidade mental da menininha.

– Alô, segurança? Seu Paulo? Olha o seu Julio perdeu o homem dele ai no prédio e esta mandando o senhor procurar.

– Oh… Bibelô! Que brincadeira é esta?

– Brincadeira nada, tinha uma visita aqui de manhã que queria falar com o seu Julio, eu anunciei, ele subiu, ai, ele, o seu Julio, telefonou pra cá meio bravo e mandou o senhor achar o homem dele.

– O que ele está pensando que somos, desocupados? Que ficamos somente bisbilhotando a vida de quem entra aqui? Que só ficamos olhando o movimento?

– Não sei não, se o senhor quiser eu pergunto. Só sei que ele não gostou do homem ter sumido e mandou ligar ai na segurança pra vocês “caçarem” ele.

O velho instinto farejador daquele terceiro sargento aposentado se pôs desperto com aquela mágica palavra.

– Bibelô! Atenção! Estamos frente a uma situação perigosa, procure lembrar de tudo detalhadamente. O suspeito preencheu a ficha?

– A de entrada?

– Claro!

– Anotou, nome, endereço, telefone, cor dos olhos, RG, firma para qual trabalha, nome do cigarro preferido, etc, etc, etc?

– Na ficha?

– Lógico!

– Anotou. Eu fiz o crachá dele, colei o adesivo no peito dele, olhei o documento dele, tudo.

– Ótimo! Com todas essas informações estamos resguardados. Obrigado Bibelô, tomaremos providências, continue alerta.

As providências começam pelo Diretor Industrial.

– Olha seu Gino, desculpa incomodar, temos um probleminha, gostaria de comunicá-lo. Estamos perseguindo uma figura suspeita que se evadiu dentro do edifício, não sabemos ainda com que intenções – informa o chefe da segurança.

– Como assim? – se enerva o diretor.

Estranho Visitante 4

– O suspeito passou pela portaria, preencheu a ficha, foi identificado, foi anunciado, sumiu no edifício, não foi a nenhum departamento.

– Que beleza de vigilância temos aqui! Quero ver o que este malandro vai aprontar, e quero ver o que vocês vão fazer para impedir. Se alguma coisa der errada eu tiro as estrelas de vocês.

– Pode confiar seu Gino (engolindo em seco) A gente caça este camarada em dois tempos.

 

Estranho Visitante. 5

Desesperado, cada vez mais desesperado. Pra complicar um pouco mais, a sua situação ( sua dele o Leonel é claro) aparece o faxineiro do andar devidamente munido de balde, pano, sabão e com a vassoura em punho.

…Se este cara começar a lavar o banheiro eu me estrepo, vai me descobrir em dois minutos ….ou não?….talvez ele seja a minha salvação.

– Pissiuuuu! Moço! Pissiiuuuuu – coitadinho do Leonel querendo ser amável perdeu uma chance e ganhou um titulo.

– Que tu queres? – responde o português faxineiro muito desconfiado.

– Estou a perigo, quebra o meu galho moço – insistiu o suplicante Leonel.

– Sua bicha descarada (leiam com sotaque) desavergonhado d’uma figa.

Ultrajado nos seus brios luso-machistas, o faxineiro abandona o local e encontra pra desabafar justamente o segurança encarregado de procurar o camarada desaparecido, que aquela altura do campeonato já ganhou fama de terrorista subversivo.

– Seu Manoel, alto! O senhor não me engana, esta com cara de quem viu o suspeito por aí!

– Raios, o que encontrei não era uma suspeita, era uma certeza. (Leram com sotaque? Obrigado).

– Como assim seu Manoel? As deduções são da segurança e não das testemunhas.

– Tenho certeza que era uma bicha, e acaba de me desrespeitar. Alguém precisa tomar uma providência, onde já se viu ser indecoroso com um ancião de respeito como eu?

– Parado ai seu Manoel!, primeiro o suspeito. Assim que eu colocar minhas mãos sobre ele, eu cuido do seu pedestre, não…pederasta, não…amanhã eu prendo a Bicha.

Meia hora depois o vigilante se explica com o seu Paulo:

– Demos uma geral no edifício, certo? Corremos o prédio inteiro, certo? Não encontramos nada suspeito, tudo em ordem, certo?

– Nada em ordem você quer dizer! Se o homem entrou, não saiu (?) e ninguém sabe dele é porque suas intenções são as piores. Toca o telefone.

– Como é minha gente – pergunta o seu Gino – acharam o homem?

– Ainda não, seu Gino, mas estamos procurando.

– Mas como? – começou a trovoada – existe alguém estranho na empresa agindo há mais de uma hora e vocês não conseguem encontrá-lo?!?!?!

– Pode deixar seu Gino, em 5 minutos a gente agarra ele – do outro lado da linha uma puta batida no gancho foi a resposta.

Estranho Visitante 5

– Viram só seus incompetentes!! (como sempre: de cima para baixo, um broqueia com o outro, que broqueia…) O homem esta a ponto de me despedir por causa deste safado que consegue ser mais esperto do que vocês. Eu um policial com tantos anos no combate…/que já…/que mais…/que mais ainda…/ (no fim do discurso) E quero este cara preso, aqui, agora mesmo! Com esse trololó  fez todo seu pessoal ir a luta.

Voltando ao banheiro ….

 

 

Estranho Visitante. 6

… Velho besta, bicha é o pai dele, ta legal! Vai ver, que só se invocou por ser impotente. Não se esqueçam que agora Leonel está também ferido nos seus brios.

… Será que não vai aparecer mais ninguém neste banheiro? Nunca vi banheiro tão mal frequentado. E porque também não dizer, sujo!

Chega mais uma chance pro Leonel na figura de um assobiante office-boy.

… Vamos ver se com esse crioulinho fardado eu dou mais sorte – E a coisa inchando e o suor escorrendo – Tenho que fazer um tipo mais machão dessa vez.

– Garotão vem cá.

– O que o Sr. quer? – debaixo da boina um ar entre o assustado e o curioso olha fixo pro vão entre aberto da porta.

– Tô numa pior, você vai ter que quebrar o meu galho, depois te recompenso – e mais uma vez o inocente Leonel se complica todo, mostra o local acidentado do seu corpo e o desavisado garoto reage revoltado.

– Seu tarado, ta pensando que eu sou o que? – e trata de cair fora.

Numa esquina de paredes divisórias se cruzam o vigilante inquisidor e o assustado office-boy.

– Que esta fazendo garoto?

– Percurso.

– Não, não responda antes que eu verifique você. Você usa farda de office-boy, tem cara de office-boy e no seu crachá esta escrito que você é office-boy, confere?

– Sim senhor, eu sou office-boy, ou melhor, eu estou office-boy (altas falas!).

– E esta fotografia colada no seu crachá, de quem é?

– Minha.

– Certo, certo, muito bem, você responde firme, deve estar falando a verdade. Agora responda rápido, o que esta fazendo?

– Percurso, já falei.

– E o que vem a ser isso?

– É o nome da tarefa. A gente anda por ai passa de sala em sala e vai retirando correspondência, depois volta entregando.

– Quer dizer que você está há mais de hora andando por todo o prédio?

– Isso ai….

– Eu sei que estou certo, e eu sempre estou certo, certo? Notou alguém estranho?

– Não, eu não sei de nada.

A negativa do garoto escondia o espanto do seu último encontro. O vigilante percebeu e aplicou todo o seu “tato”,  “habilidade” e psicologia na tarefa de induzir o garoto a contar a verdade.

– Olha aqui seu garoto safado, este arzinho de inocente não vai livrar a sua cara, não. Você sabe! Eu que que você sabe! Fala, anda fala!!….. Se não te encho de porrada!

– Sei lá, não sei de ninguém fazendo sacanagem por ai, não.

– Se traiu garotão, eu não falei nada sobre ninguém. Quem falou em sacanagem? Você sabe do suspeito. Vamos conversar com o sargento Paulo.

– É esse o homem? – pergunta o chefe da segurança quando vê entrar o garoto “conduzido” pelo vigilante.

– Prendi o cúmplice dele, chefe.

– Estamos contra o crime organizado? Como cúmplice?

EU NÃO FIZ NADA, EU NÃO FIZ NADA – Leiam isto com o garoto berrando.

– Ok, diga ao seu Paulo o seu nome, posto e número de série.

EU NÃO FIZ NADA!

Ta certo você não fez nada – Paulo acalmando o garoto – Mas conta pra nós e o que “ele” fez?

– “Ele”? “Ele” me convidou mas eu não fiz, eu não fui. Eu não fiz nada.

– Não falei que o garoto estava envolvido – mais uma vez a sutileza do vigilante coloca o office-boy em desespero.

– Buuuuuuaaaaaa, você é mal – depois do sonoro desabafo, a sua defesa:

– Ele, ele me conversou, mas eu não fiz nada, eu não ia fazer, não ia mesmo, não ia fazer sacanagem com ele no banheiro, juro que não.

– Banheiro? Sacanagem? O atentado será no banheiro, uma bomba talvez?

– Bomba? Atentado? – interroga o apavorado porém lúcido office-boy.

– Pera lá! Você! O que mais você sabe sobre o banheiro?

– Bom tá sempre um pouco sujo, né?

– Informação, idiota! Informação!

– Ora vejam, santa brilhante dedução seu Paulo, a estória dele bate com a estória do seu Manuel – português/faxineiro. Agora pouco outra bicha, quer dizer, andou cantando o português.

–  Bichas? Duas bichas? Eu não falei em bichas – disse seu Paulo.

– Nem eu, eu falei em tarado – interferiu o office-boy.

– Eu não estou atrás de bichas, ou tarados! Eu quero é um subversivo mal intencionado que está no edifício.

– Seu Paulo, será que dando, desculpe o termo, será que agradando sexualmente as pessoas, este tal subversivo não estaria arrumando um cúmplice entre os funcionários? Faz sentido, o Sr. não acha?

– Cale-se rapaz, estou tendo uma ideia. Acho que o bandido se inverte sexualmente para atrair um cúmplice, é isto mesmo!

– Brilhante dedução chefe!

… Será que ele me achou mesmo com cara de bicha – reflete preocupado o office-boy.

Decidido, Paulo pega o telefone e comunica a seu Gino sua descoberta.

– … o tipo é mais perigoso do que estávamos imaginando, esta corrompendo sexualmente os funcionários, já atingiu dois departamentos …

– Ou temos um bandido, ou temos um maníaco, quem sabe, ambos? Banheiro de que andar esta o homem?

– Não sei. (incompetente, porém sincero).

– (Notem a explosão) COMO NÃO SABE!

– Segundo andar seu Gino!

– Segundo andar chefia, o garoto esta me dizendo!

– Vamos até lá.

O boato é sempre mais ligeiro, chegando ao banheiro, os membros da diretoria e os encarregados da segurança já encontraram uma verdadeira multidão. Dela alguns comentários transpiram:

…Se for um dos funcionários, eu, como membro do sindicato, vou exigir um tratamento digno.

… Porque ele não recorreu a uma de nós. Afinal ….- comentário sussurrado de um grupo de solteironas.

… Eu gostaria de ter a coragem dele, será que um dia ….ai, nossa! – sonha um rapaz ajeitando os caracóis dos seus cabelos.

O grupo de segurança entrou silenciosamente:

– Sai da frente!

– Cheguei na frente, qual é meu?

Param frente á porta do tal reservado. Chega também Bibelô e seu caderninho de autógrafos. Pensam num plano de ação, quando…

Estranho Visitante. 8

Calma, é isto que eu vou contar.

Leonel, mais desesperado e dolorido do que nunca, absorto daquele movimento todo que se faz do lado de fora do banheiro, pensa na calça manchada de sangue, na camisa molhada de suor. Manda estes pensamentos pro inferno porque afinal olhando para “ele” e vendo-o cada vez mais inchado, mais roxo…”Logo ele …eu com dez dedos…logo ele…logo ele…tão bonito…já fez tanto por mim e eu aqui sem poder fazer alguma coisa por ele”. Resoluto, resignado, segurou firme o ziper com a mão esquerda (porque ele era canhoto, mais nada). Pensou em tudo de mais sagrado, respirou fundo e com todas as suas forças, puxou!

AAAAAIIIIIIIIIIII !!!!!!! – gemeu com todos os pontos de exclamação possíveis.

Estranho Visitante 9

Do lado de fora com o estrondoso grito, todos deram um passo atrás. A multidão fez silêncio, o vigilante tentou sacar a arma. Seu Paulo com sua experiência, e agora refeito do susto, com ar de conhecedor profundo dos problemas e dono absoluto da verdade, avança, corre o olhar pelos presentes, aproxima-se da porta, coloca a mão no trinco e diz tranquilamente:

– Os espiões são todos assim, fazem tudo sempre igual, quando se vêem em apuros eles se suicidam-se.

Cako Machini
Cako Machini
Desde 1953 também responsável pelo mundo que vivemos. Publicitário, marqueteiro, empresário. Criativo, amante das artes. Resolvido a viver o Outono de sua Vida junto a natureza, priorizando as palavras e as viagens.

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