O velho Anarquista e o golpe de 2016

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O velho Anarquista e o golpe de 2016

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Os lúcidos, os honestos, os bem intencionados, sejam de Esquerda, Direita, gostem ou não de política, entendem que hoje 31/08 ficará marcado na historia do Brasil. E pessoas com esse perfil não estão comemorando. Quem tiver pensamento de Direita, sendo lúcido concorda que o jogo está sendo ganho com gol roubado, marcado nos descontos em pênalti forjado e com o goleiro expulso de campo. E também não acredito que se sintam representados por esse grupo.

Mesmo sendo fervorosamente contrario o por ela preconizado eu aceitaria viver num país governado pela Direita, contanto ela tivesse chegado ao poder depois de nos quebrarmos todos numa campanha eleitoral.

Infelizmente o que está acontecendo não é isso. Seremos governados (?) por uma quadrilha que quer unicamente continuar podendo agir livremente.

Muita gente escreverá sobre o golpe, sobre o futuro do país. Minha letra é pequena, por isso optei por dar voz a uma mais do que antiga lembrança.

Nosso ensinamento vem de longe. Fazemos registros de coisas que vão mudando de significado e nos instruindo.

Determinei que nunca, mas nunca mesmo vou me referir aos personagens desse golpe sem a qualificação necessária. Se precisar citar direi Temer golpista, Cunha golpista, Janaína golpista. Como se fosse um nome incorporado. Mostrando o DNA do fulano.

De onde terá vindo essa determinação de me tornar repetitivo, teimoso, determinado?

Eu que hoje tenho uma dificuldade estúpida para guardar nomes, sou várias vezes surpreendido com minha mente projetando com clareza histórias antiquíssimas e com uma riqueza de detalhes fenomenal.

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Tudo que minha mente trás a tona e pode ser considerado de boa lembrança tem a mesma característica. Se assemelha a um filme gravado numa tarde de Outono, período do ano de maior luminosidade. E assim com muita luz revi a imagem do Seo Domingos, um italiano, um ex-militar que segundo ele chegou ao Brasil junto com os pracinhas da FEB no final da II Guerra Mundial.

Morávamos na Penha, nossa casa confrontava com a dele que ficava do outro lado do quarteirão. Ele era pescador, exatamente isso, um pescador profissional que morava num bairro de São Paulo. Não sei se ele pescava em outros lugares. Mas lembro daquela figura que andava agitada descendo o barranco da linha férrea carregando uma volumosa tralha. Vejo claramente sempre uma “fieira” de lambaris que ele carregava tipo troféu.  Fiquem sabendo que ele confeccionava, tecia redes e tarrafas no barracão de seu quintal.    Estamos entre os anos 50/60, nessa época o Tietê, recém retificado havia deixado muitas lagoas na região. Temos fotos antigas onde meus pais e tios praticavam natação e mergulho nas águas, que, aliás, eu já bebi.

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Seo Domingos deve ter sido um anarquista. Na época eu tinha a menor condição em compreender nada sobre qualquer ideologia, mas lembro dos assombrosos palavrões que ele repetia, alias, gritava na eleição presidencial de 1960. Ele não poupava nem Jânio Quadros, nem o marechal Lott nem Ademar de Barros a quem se referia como “vitello una vecchia mucca”, que se modernizado tipo parecido com o nosso habitual “Filho da Puta”.  Se não era anarquista não sei, mas detestava, odiava os políticos. Ele dizia que a política era feita na “quartiere a luci rosse” , o nosso popular puteiro.

Gente, é muito mais charmoso xingar em italiano. Vou adotar.

Estou em dúvida. Todos os anarquistas queriam ver o “ultimo rei, enforcado com as tripas do último papa”. Seo Domingos era temente a Deus. Ele tecia suas tarrafas cantarolando em italiano e por muitas vezes ouvi ele saldando em voz alta. “ Dio belo… Dio bello… bello Dio”.

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Certa vez, e essa é que é a origem da lembrança, Seo Domingos resolveu criar um caso com outro vizinho. Seu Nélio começou uma reforma e resolveu fechar uma área interna que seria para dar ventilação e luz natural ao banheiro da casa. Seo Domingos cismou, esse é o termo, cismou, implicou com o a reforma e passou a exigir que a planta original das casas não fosse alterada. Ele alegava que a eliminação desse “poço de luz”, prejudicaria a ventilação e diminuiria a iluminação da casa dele também. Os adultos da época entendiam que aquilo era mero capricho. Eu mesmo pirralho também não entendia qual o problema que aquilo provocaria. Achava pura pirraça. Mas foi esse velho pirracento quem me deu a lição, que hoje copio na identificação dos golpistas.

Seo Domingos, fanático por um escândalo, cansou de gritar para quem quisesse ouvir que nunca mais falaria com ninguém da família do Sr. Nélio e nem mesmo pisaria na sua calçada. Seo Domingos abriu uma ação contra Seu Nélio e ficou demandando com ele durante anos.

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Cumprindo sua promessa, fosse quando fosse, a qualquer hora em qualquer situação, ele chagava no limite da calçada da casa do Sr. Nélio, parava, se encaminhava para a rua, descia e caminhava pela sarjeta por toda a frente da casa do Seo Nélio. Subia novamente na calçada, dava dois passos até chegar no meio da calçada e seguia em frente.

Para um moleque ver aquela cena era cômico, mas nada de rir porque o velho era uma fera. E claro bastava ver Seo Domingos apontar na esquina que se ficava observando para ver se ele cumpriria sua promessa, seu capricho.               Seo Domingos,  em sua memória prometo ser tão teimoso, tão pirracento quanto (com ou sem razão) foi o senhor. Cada vez que tiver de me referir aqueles “ Vitelli de una vechia mucca”, usarei o termo Golpista junto ao nome. Possa até melhor referenciar acrescendo algum outro qualificativo como Ladrão, Picareta, Bandido, Quadrilheiro, Traficante, Escravocrata (tem pra todo gosto ou necessidade), mas Golpista sempre estará presente. Se o Seo Domingos até o dia que enfartou na volta de uma pescaria, sempre deu a volta e nunca pisou na calçada da casa do Seo Nélio eu também posso mostrar que nunca concordei com o que está sendo feito.Anarquista 8

Outra lição dessa história. “Direito não é igual a Justiça”. Seo Domingos tinha o direito de reclamar da reforma da casa do vizinho, mas aquilo não era justo. Obedecendo ou não ao código de obras, o que estava sendo feito não prejudicava ninguém.

Pra esse ex-moleque a demanda do Seo Domingos contra o Seo Nélio deixou outra emblemática impressão: O Judiciário brasileiro é lento o suficiente para fazer as pessoas que a ele recorrerem falecer antes de ver suas pendencias resolvidas. No caso contato a ação terminou após o falecimento de ambos.

Eu via no rosto daquele senhor muito claro, de pele avermelhada, de cabelos completamente brancos, que sempre que se dirigiu a mim curvava o corpo para se aproximar da minha pequena altura, um ar de serenidade. Mesmo que ele sempre falasse muito alto, que sempre gesticulasse, que sempre fosse muito enfático, me passava alegria.

Seo Domingos, obrigado por ter me dado um exemplo de saudável teimosia e me ensinar que aqueles vitello una vecchia mucca”, foram concebidos e só sabem viver no “quartiere a luci rosse”.

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Cako Machini
Cako Machini
Desde 1953 também responsável pelo mundo que vivemos. Publicitário, marqueteiro, empresário. Criativo, amante das artes. Resolvido a viver o Outono de sua Vida junto a natureza, priorizando as palavras e as viagens.

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