Sedução
11 de fevereiro de 2016
Uns 50 anos depois
11 de fevereiro de 2016

Piquerobi

Piquerobi

Bem no comecinho do século XX num dos navios que traziam imigrantes italianos para o Brasil estavam dois jovens, o senhor Faustino Machini e a Dona Rosa (não encontrei o sobrenome de solteira). A estória contada por ele é que se conheceram no navio e se casaram no Brasil.     

Essa não foi exatamente uma viagem de turismo. Foi uma viagem ao meu passado. Sabendo que iria a Presidente Prudente a trabalho, resolvi ir a Presidente Epitácio a lazer e não quis deixar de rever Piquerobi, uma cidade que marcou minha família.

Nós que somos descendentes de imigrantes europeus, devemos lembrar que todos vinham muito mais para fugir da fome e da miséria do que encantados com o sonho de uma América maravilhosa.

            E foi assim que de forma pouco glamorosa, mas muito interessante chegaram ao Brasil os meus avós maternos.

            Seu Faustino, que se tornaria meu avô, tinha vários irmãos e uma mãe bem matriarca mesmo. Dona Marieta, levou a família toda para a região de Ribeirão Preto. Na verdade eles foram para a cidade de Batatais.

            Nunca entendi direito, e hoje infelizmente não tenho mais a quem perguntar, mas seu Faustino ficou muito pouco tempo nessa região e foi parar no extremo do estado, quase na divisa do Mato Grosso. Ele foi morar em Piquerobi.

            Essa cidade começou a se formar em 1917, se efetivando como município em 1948. Mesmo não tendo precisão nas datas Seu Faustino foi um dos pioneiros.

            O fato de ele ter vivido nessa cidade sempre me acompanhou. Nunca conheci uma só pessoa que conhecesse Piquerobi. E todos, quando eu citava o nome faziam cara de espanto.

            O significado do nome Piquerobi, peixinho azul, não esclarece nada, só complica porque no município não há nenhum local afamado para pesca.

            Minha avó Dona Rosa faleceu bastante jovem e foi enterrada em Piquerobi. Isso deve ter ocorrido por volta de 1930. Minha mãe nasceu lá, a cidade está inserida na minha família.

            Tenho algumas histórias interessantes sobre Piquerobi.

……………………………………..

            Eleições municipais

            Isso deve ter ocorrido mais ou menos em 1972. Eu tinha um opala amarelo e com ele levei meus pais para a lendária Piquerobi. Seu Faustino era vivo e também foi.

            Uma das irmãs mais velhas da minha mãe casou e ficou morando por lá. Eles residem num sítio afastado uns 4 ou 5 km do centro do município. Como não sabíamos com exatidão o caminho paramos no centro da cidade para tomar informações. Uma coisa sobre Piquerobi me impressionou desde aquela época, as ruas estavam sempre desertas. Sempre morei em São Paulo, sempre via as ruas cheias de gente. Era final da manhã e praticamente ninguém nas ruas. As pessoas não estavam visíveis, mas sem dúvida estavam muito atentas. Fomos vistos e registrados por muita gente. Vocês entenderão depois.

            Chegamos ao sítio de meus tios, nos instalamos. A conversa das primeiras horas era sempre muito atropelada, todos queriam contar e saber de tudo. No final da tarde a prosa tomou um rumo só, a política local. Estávamos próximos das eleições municipais e a disputa pela prefeitura da minúscula Piquerobi fervia.

            Na mesma casa moravam além de meus tios e seus muitos filhos, um irmão de meu tio com sua também numerosa família. A casa tinha um corredor cheio de quartos que parecia o trecho de um hotel. Portanto havia gente adulta o suficiente para comportar simpatizantes das três correntes políticas que disputavam a eleição.

            Em menos de 12 horas de nossa chegada a casa recebeu a visita dos três candidatos a prefeito de Piquerobi. Cada um chegava dizendo que tinha ido abraçar “fulano” seu correligionário, mas faziam uma “rasgação de seda” incrível pra cima dos meus pais, convidando, na verdade intimando que comparecessem ao baile que esse candidato estaria promovendo. Eu explico. Não sei se era moda na região, mas coincidentemente os três estavam organizando o mesmo tipo de evento. Em dias diferentes cada um dos três realizaria um baile de confraternização entre os apoiadores da sua candidatura. Fazia todo sentido. A maior parte da população da cidade morava na zona rural, ninguém sairia de casa, com toda precariedade de transporte existente, pra ficar ouvindo um comício. Agora uma festança com bebida, comida, música e dança, bem, ai já era diferente.

            Meus parentes não eram tão importantes assim que merecessem convite especial. Depois ficou claro que o objetivos dos candidatos éramos nós, as visitas vindas da capital. Era uma espécie de troféu, era importante mostrar pros conterrâneos que eles tinham amigos na capital.

            Nesse tempo não havia luz elétrica no sítio, muito menos, lógico Televisão. Claro, comparecemos aos três bailes e o ritual se repetiu em cada um deles, o candidato apresentava meus pais a seus eleitores, dizendo que “………..os amigos da capital que vieram me prestigiar”.

            O viaduto

            Existia uma piada que corria na minha família. Toda vez que por qualquer motivo Piquerobi entrava na conversa, sempre alguém chamava a atenção para contar da grande novidade que ele acabara de saber sobre a cidade. Feito o suspense lá vinha a revelação. – Vão construir um viaduto! Instalada a curiosidade, afinal um local tão pequeno comporta, necessita de um viaduto? O desfecho era a explicação sobre a necessidade da obra. O cachorro do prefeito havia morrido atropelado no cruzamento da avenida principal com a estrada de ferro.

            Patrimônio

            Levamos nosso avô para visitar o município. Estou falando de andar a pé meia dúzia de quarteirões, nada, além disso. Meu avó tinha um comportamento recorrente. Via um lugar, demonstrava espanto por aquilo ter sido alterado e explicava como aquilo era no seu tempo. Ao lado do cemitério haviam sido construídos alguns galpões. Meu avô espantado dizia que “haviam destruído o Patrimônio”.  De que patrimônio falava ele?

Foi meio difícil, mas entendemos que Patrimônio era uma área onde de forma solidária todos os homens da cidade trabalhavam algum período de seu tempo. Era uma lavoura coletiva. O que ali se produzia era vendido com a renda sendo revertida para o município.  Era uma espécie de pagamento de impostos feita com trabalho. Quando amadureci, passei a entender que essa não deixa de ser uma significativa experiência socialista.

Sua Majestade, o trem.

Ouro Verde. Esse era o nome da composição que percorria toda a extensão da Estrada de Ferro Sorocabana. Era a forma preferencial para ir aqui de São Paulo até Piquerobi. Estou falando de 1960 e ninguém em nossa família tinha automóvel. E mesmo que tivesse percorrer nessa época os 600 km da Rodovia Raposo Tavares era uma tremenda aventura.

Com certeza foi o primeiro grande feito da minha vida.

Entrar no portentoso prédio da Estação Julio Prestes já era um feito. Aquele marco da arquitetura era chamado como Estação Sorocabana. Hoje sua exuberância abriga nada menos do que a Sala São Paulo. Sem duvida é um local em São Paulo que vale a pena ser visitado.

Embarcamos no meio de uma tarde, lembro que chegamos a Piquerobi no outro dia do final da manhã. Além de a velocidade ser baixa o trem parava em pelo menos duas dezenas de cidades durante o percurso.

Querendo me preparar para “esnobar” (será que naquela época esse termo existia?) sobre a minha experiência de vida tentei decorar o nome de cada cidade que paramos. Bobagem, perdi a conta logo de cara.

Com essa idade nossa curiosidade é monstruosa, nossa imaginação fertilíssima e nossa inocente prepotência nos colocam como donos do mundo. A cada parada do trem corria para a janela e observava a nova cidade que eu passaria a conhecer.  Era como se meu olhar percorresse o universo a ser descoberto numa nova cidade naqueles minutinhos de parada.

Outra situação de êxtase é saber que éramos donos de um pedaço do trem. Viajávamos numa cabine. Pra quem não conheceu explico que o transporte ferroviário de longa duração dispunha de carros leitos. Isso, vagões divididos em pequenos quartos onde se tinha uma pequena pia e um beliche. Couro, madeira envernizada ou pintada de branco e muito bronze. Muitos detalhes, muita coisa rebuscada. Meu conceito sobre aquele ambiente era um só. Tudo muito chique.

Foi assim que o pequeno dono do mundo desembarcou em Piquerobi, todo deslumbrado, curioso e inoculado com o vírus do bichinho “Viajador” que ali sem saber, sem notar, começou a desenvolver o vício da descoberta por lugares a serem conhecidos.  

   

Cako Machini
Cako Machini
Desde 1953 também responsável pelo mundo que vivemos. Publicitário, marqueteiro, empresário. Criativo, amante das artes. Resolvido a viver o Outono de sua Vida junto a natureza, priorizando as palavras e as viagens.

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