Tarde de Primavera

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11 de fevereiro de 2016

Tarde de Primavera

Tarde de Primavera.

PLANO GERAL: Muito verde oscilado pelo vento. Shorts e fraldas brincando na areia, vigiados pelos aventais brancos. Uma farda cáqui vigilante, porém absorta. Uniforme cenoura recolhendo papéis. Um surrado conjunto de camisa listrada e calça marrom vendendo esperanças lotéricas.

PRIMEIRO PLANO: Macacão jeans sentado sobre concreto armado, decodificando os fatos impressos num vespertino realista. Cansado de verdade, macacão jeans saca do bolso um pau grafitado, concentra-se num problema de cruzadismo. Acerta muitos horizontais e alguns verticais, depois espairece. A massa pensante lançando olhares esverdeados para a paisagem testemunha.

Freiam quatro rodas de magnésio, carcaça vermelho-sangue expele uma calça Lee, seus tamanquinhos amarelos caminham sobre o cimento cinza, param junto a um amarelo e refrigerado recipiente. Macacão de jeans a tudo observa. Uniforme branco sujo abre um sorriso e o amarelo recipiente. Blusa creme opta por um gelo de limão. Uniforme branco leite tipo “C” diz não ter. Calça Lee alterna, morango? Sorriso e atitudes serviçais do avental. Blusa creme vasculha o conteúdo do couro pendurado. Macacão de jeans se aproxima, pede limão, calça Lee avisa: “pode escolher outro”. Camiseta branca diz “igual ao dela”. Avental branco repete gentilezas. Macacão é mais ágil. Compras estão quitadas. Calça Lee diz sorrindo “Obrigada”, e caminha no espaço verde. Botinas azuis perseguem tamanquinhos amarelos, interceptando-os. Camiseta branca, frente a frente com blusa creme, diálogo:

– Tarde de primavera é bonita.

– Primavera interior convém sempre.

– Muito profundo.

– Anula o cinza outono de muitos.

– Realiza maravilhas… – Sorrisos.

Concreto armado agora comporta macacão de jeans e calça Lee. Macacão é tagarela, calça Lee é mais sucinta. Calça Lee arroja-se na vegetação rasteira, macacão o imita. Proximidade. Macacão elogia fios loiros, calça Lee retribui falando bem dos cachos negros.

A estrela de quinta grandeza desce a linha do horizonte, calça Lee resolve ir pra casa, camiseta branca com arrepios crepusculares concorda. Interesse recíproco, um encontro lá pelas sete. Tá legal.

 

PLANO GERAL: Motores sobem, motores descem, gás neon anuncia, farda de almirante postado frente a portais barrocos.

 

PRIMEIRO PLANO: Conjunto de safári apaga o cigarro, confirma no pulso, está atrasado dois mil e cem segundos.  Carro branco de aluguel estaciona. Safári creme esperando uma carcaça vermelha particular não se atenta muito. Surpresa, vestidinho verde por fora, fios loiros por cima. E por dentro…  Saudações beijoqueiras, dentes à mostra, mão na mão, passinhos até o mal iluminado interior.

Balanço das pedras d’água, papos com o paletó branco, requebros no piso iluminado, muito “tchim-tchim”. Repeteco,  tudo isso várias vezes. Os ponteiros continuaram andando pra direita, várias voltas completas. Último papo com paletó branco, safári se agrega no vestidinho verde, compassado caminhar, rua, estacionamento, enlataram-se, movem-se.

 

OUTRO AMANHÃ: Muito tempo depois do último galo.

NUM LUGAR: Prancheta, papel, régua, compasso, pau de grafite batendo absortamente na fronte, por dentro um lugar distante, uma tarde de ontem, um cara quase irreal.

OUTRO LUGAR: Escrivaninha, papel, telefone, papel, cinzeiro, papel, etc., papel.                                                        Dedo inquieto cacheia os fios negros; por baixo, embutidas reflexões loiras e carinhosas.

UM LUGAR NOUTRO LUGAR. Viva Graham Bell.

-… Estou muito… – Também estou…

-… Tava lembrando… – Eu também… foi bom…

-… De novo?… – Combinado…

 

NUM OUTRO LUGAR: Trapo vermelho cegamente amarrado, desconforto de três botões sobre desconforto cheio de botõezinhos, suor retirado uma, duas, três vezes. Alívio final, carcacinha vermelha apontando resoluta. Salta um conjunto marrom, saudações beijoqueiras intensas.

Flores, confetes, estrelinhas… delírio… estrelinhas, confetes, flores… Outro delírio… corpo branco e macio se amolda em corpo moreno e viril.

– Quero para sempre. – Calma.

– Sensações intensas e totais. – Tem tempo.

– Surpreendente indecisão. – Prudência, cautela, caldo de galinha, conselhos de minha avó.

– Alguma azeitona? -… Um caroço, um elo dourado.

– Dedo esquerdo ou dedo direito?

-… Importa?

– Já que existe… – Dedo esquerdo.

– Cadê outro elo? – Passa férias, se recompõe junto a águas pródigas.

– Só? – Também Mariana, de 60 meses.

– Ontem honestidade também de férias?

– Hoje sinceridade presente.

– Outono, terremoto, balde d’água.

– Refazenda, alicerce…

– Terreno impróprio.

– Caretice?

-… Convicções.

Conjunto marrom, meia volta mais vazio, menos risonho, mais realista. Carcacinha vermelha ronca. FM quebra o silêncio, sob fios loiros nuvens nebulosas, mais realidade.

OUTRO TEMPO: Desconforto de três botões procura assento, cimento armado a vista, instala-se. Vídeo – tape mental, retrospectiva das 30 ultimas horas, saudades recentes.

OUTRO LOCAL: Conjuntinho pensa: baralhos marcados, jogo ruim, aposta ainda pequena, sorte.

NO PARQUE: Paletó três botões em desconexos pensamentos observa múltiplas cenas.                                         Atenção maior, carcaça amarela entra em cena, saltam desalinhados longos fios ruivos. Par de lentes escuras, Jorge Amado sob o membro superior direito. Membro superior esquerdo segura cordão vermelho com 4 patas castanhas.      Ansiosos latidos, repentinos puxões, acidente, liberdade provisória, 4 patinhas ganham terreno verde.                 Paletó de escoteiro, pelugem castanha é recuperada.

– Tarde de primavera é bonita.

– Primavera interior convém sempre.

– Muito profundo…

  -…                                                                                                                                                                                          -…                                                                                                                                                                                                -…

 

 

Cako Machini
Cako Machini
Desde 1953 também responsável pelo mundo que vivemos. Publicitário, marqueteiro, empresário. Criativo, amante das artes. Resolvido a viver o Outono de sua Vida junto a natureza, priorizando as palavras e as viagens.

1 Comments

  1. Elizabeth Sampaio disse:

    Adorei a narrativa fluída e ágil. Nela história. Belas fotos…

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